Meu Amigo pH

AINDA SEGUINDO INSTRUÇÕES DE MEU DILETO, SUMIDO, MAS SEMPRE LEMBRADO CIMITAN, VOLTO A ESCREVER CERTAS OBSERVAÇÕES DO COTIDIANO.

Meu Amigo pH

Comecemos pelo Mr. Ellis, aquele que se chamava Arthur e foi o juiz da partida que a seleção húngara venceu a nossa por 4 x 2 na Copa da Suiça, em 1954.

Eu tinha dez anos, vivia em São Paulo, só pensava em futebol. Liguei na Rádio Bandeirantes, 840 kilohertz, ao meio-dia de um dia de semana e lá estava Edson Leite e Gillette Azul a narrar no meu radinho de pilha, cheio de estáticas, a voz do speeker ia e voltava, sumia, e aumentava a tensão. Tudo pela vitória !

Começou o jogo e aos sete minutos eles já haviam feito dois gols, eu não estava acreditando... Aos dezoito minutos Djalma Santos marcou um de penalti, Lantos marcou o terceiro da Hungria em seguida, quatro minutos depois Julinho, grande Julio Botelho, diminuiu e Kocsis acabou com nossas esperanças aos quarenta e dois.

Para quem estava no estádio foi um jogo normal, os penaltis foram justos, apesar das tres expulsões, duas nossas, Nilton Santos e Humberto. A seleção canarinho eliminada da Copa. Chorei.

Para quem ouvia o rádio, a conversa era outra: Mr. Ellis estava nos roubando descaradamente, Edson Leite a transmitia qual uma pugna greco-romana, nós, pobrezinhos sul americanos mal nutridos, sendo achincalhados no país mais civilizado do mundo. Terminou o jogo e aqui só se falava naquele ladrão, ingles filho da puta. A 'Gazeta Esportiva' estampou em letras garrafais.

Falemos de outro Mr. Ellis, esse chamado George, ou será Jorge ?, um carioca da gema. Almocei com ele no sábado. Foi então que Mr. Ellis, o daqui, contou-me, entre outras coisas, que levou vários cascudos de colegas seus, nos dias seguintes. Ser 'parente' do outro virou um estigma em sua vida - logo por causa dele, o outro - um sudito de S.A.R. Elizabeth II, ainda fresquinha no trono.

Mr. Ellis e sua encantadora e bonita mulher, haviam chegado do nordeste, tinham ido lá a procura de um cientista - quase bruxo - trocar idéias sobre o futuro da humanidade... Não foi possível: quando este apresentou-lhe a esposa, fulgurante senhora com um decote irrepreensível, estilo 'para frente e para o alto', meu amigo não conseguiu mais pensar, extasiado, hipnotizado, vendo aquele colo de seio trepidando, burunrunrun, qual areia movediça a engolir sentimentos vagos, talvez filhos da solidão.

Temos em comum meu 'abominável' amigo e medico pH, o dono da casa, calouro cantor de música americana, de Cole Porter a Johnnie Ray ('Just walkin' in the rain'). Simpatizante do bom malte ('Famous Groose', não deixa por menos), lembrou com ternura dos outroras soviéticos, salve Prestes, viva Nikita e Fidel !

Contudo, a Niemeyer, reticências...

pH, com sua inteligência acima da média (q.I.= 150), é um papo envolvente, se deixar, engole a madrugada contando 'causos' sentado no chão de sua casa, madeira-de-lei no piso, abstratos nas paredes, passando a mão na face, deslizando de cima, desde seus ralos cabelos, passando pela testa, nariz, queixo, até sua iniciante papada.

pH é 'bom de botéco', percebi, deve ser amigo do Jaguar. Teatral, gesticula, representa, é um showman, sob o olhar complacente da patroa, com admiração, dá gosto ver.

Ela serviu-nos requintado almoço, digno de Paul Bocuse: de 'entrée', uns carocinhos vermelhos, achei que era um sagú fora de sequência... Depois vi que era comida de gente inn.

Completando a mesa, Dr. Celso, ariano e normal (ufa!!) e esposa, ele com ares de embaixador. Contrabalançou...

pH nos meus tempos de vestibulando, era definido como o cologarítmo do potencial hidrogeniônico, medido em íons-grama por litro. Ou, em palavras acessíveis, o índice que mede a acidez de tudo que nos rodeia.

Hoje, pH é meu amigo.

Bem melhor assim.