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quinta-feira, 6 de maio de 2010

A IDADE QUE TENHO HOJE...

A IDADE QUE TENHO HOJE...

Vou falar de um tio, que eu não chamava de tio. Para mim era o "Doutor", uma pessoa que deixou marcas em minha vida. Rica personalidade, tão significativa que me é dificil analisá-la, é como se juntássemos intelectualidade, agronomia, boemia, amizade e simpatia em um liquificador. Bater por uns instantes, esse era o Doutor. Admirava o seu desligamento das minúcias do cotidiano, as chatices da vida.

Esqueci de colocar no liquificador umas boas doses de whisky. Agora sim.

Naquele sábado de dezembro, chuvoso, dois dias antes do Natal, Doutor comemorava seu último aniversário, estava doente. Como não pude ir ao seu almoço, a noitinha telefonei-lhe, não queria deixar a data em branco.

- Vem cá, "Marmelada", respondeu ele ao meu chamado (Só ele tratava-me assim, um apelido só dele para mim, pouca gente sabia porque).

Cheguei na sua fazenda lá pelas nove da noite, ele esperava-me no terraço. Levantou da cadeira com certa dificuldade. Estava só.

Doutor estava viúvo, tia Lúcia havia ido há cinco anos, e aquela solidão ele sabia driblar bem, compreendia "a vida como ela é..." Nos velhos tempos sua casa era o centro da agitação, deles e das filhas, sempre cheia de amigos e de mumbavas, afinal, Doutor também era político...

Subi os degraus do terraço, o forte abraço respondeu à nossa afeição. Naquela noite ele fazia sessenta e seis anos. A idade que tenho hoje.

Sentamos no escritório, no canto uma escrivaninha cheia de porta-retrato dos parentes antigos, cadeirinha de balanço presente do Sr. Nhonhô, um sofá chesterfield. Doutor sumiu por uns instantes, achei que tinha ido ao banheiro. Apareceu logo em seguida, a prosa começou, animado, parecia até que sua saúde era normal.

Relembramos aquela festa que enchemos de Drury's uma garrafa de cristal de President, o whisky must da época. A moçada bebeu, elogiando, estalando a língua no céu da boca: "É outra coisa !!...

Depois conversamos assuntos sérios, Doutor tentava convencer-me ler "Os Sertões" de Euclides da Cunha, leitura imprescindível. Não era a primeira vez que ele falava nisso, na semana seguinte tentei mais uma vez e não consegui passar da página cinquenta - maçante e chata - fora de meu alcance intelectual. Admito.

E a conversa foi por aí a fora, Uberaba e Paris, passando pelo litoral baiano, uma de suas especialidades, e pelas divertidas estórias vividas nos rebolos das rinhas de galo, seu vellho hobbie.

Passava da meia-noite, levantei, fiz menção de ir. De pronto, ele reagiu:

- Marmelada, quando voce chegou, fui até a copa e coloquei uma Moët no congelador, ela deve estar 'no ponto'.

Fiquei apreensivo, será que ele pode ?

- Estoure a distinta, vamos comemorar. Pode ser que essa seja minha última...

Ali percebi o valor da amizade e quanto aquela champa representava. Enxugamos a garrafa, e seja o que Deus mandar.

Não sei se foi sua última, isso não importa. Bebemos com solenidade.

Uns meses depois Doutor foi-se, mudou para o andar de cima.

O cometa Halley passou tímido pelo nosso céu por todas aquelas semanas, até que, numa noite de sábado ele ficou nítido, bonito, com aquela cauda luminosa.

Foi naquela madrugada que o Doutor aproveitou a carona. E subiu.

2 comentários:

Anônimo disse...

Apesar de gostar do que vc escreve, não vou comentar só de raiva de vc não responder os comentários nem visitar meus blogs!
Magoei !!!

Aloisio disse...

Eduardo, meu carissimo,
Nao respondo porque nao sei manejar esta bosta. Nao coloco o til porque isso aqui nao tem til. Pode, aqui vai um sinal de interogacao.
Sorry...
Paulinha ja melhorou das contusoes do ski interogacao.
Abs, Alo.

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